Onde Conseguem os Portugueses Arrendar? Uma Análise da Acessibilidade das Rendas

Veja quais são os Concelhos onde um Trabalhador Típico Consegue Arrendar um T1 Sozinho

Para o trabalhador comum conseguir viver e trabalhar em Cascais, o salário mediano do município teria de duplicar. Em Lisboa, o salário mediano corresponde a apenas 60% do necessário para arrendar um T1 sozinho. E estas cidades não são exceção: quase todos os grandes concelhos portugueses têm rendas incomportáveis para os trabalhadores.
Portugal
Rendas
Salários
Habitação
Autor

Miguel Salema

Data de Publicação

28 de agosto de 2024

O Índice de Acessibilidade das Rendas

No momento em que escrevo, a habitação é o grande tema da sociedade portuguesa. São frequentemente noticiados recordes de preços das casas em várias zonas do país. A maioria dos portugueses está ciente de que este fenómeno não se limita a Lisboa e ao Porto. Afinal, ainda existem cidades em Portugal onde um trabalhador comum consegue arrendar um T1 sem ter de partilhar casa?

Para responder à pergunta, aplico a Portugal o “Carrie Bradshaw Index”, desenvolvido pela The Economist. Este índice mede a acessibilidade das rendas comparando o salário mediano dos trabalhadores com o salário necessário para arrendar um T1. O índice segue a conhecida “regra dos 30%”: a renda não deve exceder 30% do rendimento, para que se possa viver confortavelmente. Assim, o “salário necessário para arrendar” corresponde ao salário que um trabalhador teria de auferir para que 30% desse montante correspondesse à renda mediana do município. A Figura I reporta o índice para os 50 municípios mais populosos e a Figura II apresenta o índice no mapa.

Figura I: Acessibilidade das Rendas nos 50 Concelhos Mais Populosos

Notas: Este gráfico mostra o rácio entre o salário mediano de um município e o salário necessário para um trabalhador arrendar um T1 (55m2) sozinho; baseia-se na premissa de que a renda deve corresponder a 30% do salário anual. Ou seja, valores abaixo de 100% indicam que o trabalhador mediano não ganha o suficiente para viver sozinho (cor vermelha; e vice-versa para a cor verde). O salário mediano refere-se ao local de trabalho, não à residência do trabalhador. Estão representados os 50 maiores concelhos portugueses. O tamanho dos círculos indica a população do município, em milhares de pessoas. Os valores contemplam apenas novas rendas contratualizadas em 2023. Fontes: INE (renda mediana por município); Ministério do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade (salário mediano por município); Censos 2023 (população por município).

Trabalhadores, uni-vos! (para arrendarem casa juntos…)

Na Figura I, o traço preto vertical representa o salário necessário para arrendar um T1. Logo, a vermelho estão os municípios cujo salário mediano é menor do que o necessário; e a abcissa indica por quanto. Ou seja, em Lisboa o salário mediano é apenas 60% do necessário para arrendar um T1.

Um trabalhador comum não consegue arrendar um T1 nas maiores cidades portuguesas (Figura I). Entre os municípios portugueses com pelo menos 150 mil habitantes, apenas Braga (resvés) e Guimarães são acessíveis para trabalhar e arrendar. A maior parte dos trabalhadores precisam de procurar apartamentos em concelhos adjacentes ou partilhar casa.

No caso de Lisboa, os subúrbios com habitação acessível já estão fora da Área Metropolitana (Figura II). Aliás, no pódio do índice estão três desses concelhos: Cascais, Almada e Odivelas. Embora Lisboa tenha a renda mediana mais cara do país (15 €/m2), o salário mediano também é elevado, 1930€. Já em Cascais, o salário é consideravelmente mais baixo (1330€), mas a renda permanece alta (14 €/m2).

Contudo, não é só Lisboa que enfrenta esta situação; o Algarve e a zona do Porto também apresentam rendas incomportáveis. De forma geral, ao longo de todo o litoral de Portugal continental é difícil para um trabalhador arrendar uma casa para viver sozinho. O Funchal, na Madeira, também merece uma menção.

Figura II: Um Trabalhador Comum Só Consegue Viver Sozinho no Interior do País

Notas: Este mapa mostra o rácio entre o salário mediano de um município e o salário necessário para um trabalhador arrendar um T1 (55m2) sozinho; baseia-se na premissa de que a renda deve corresponder a 30% do salário anual. Ou seja, valores abaixo de 100% indicam que o trabalhador mediano não ganha o suficiente para viver sozinho. Em vermelho e laranja, o índice está abaixo dos 100% (incomportável); a amarelo, está próximo dos 100%; e a verde claro e escuro, está bastante acima dos 100%. A cinzento estão os municípios sem dados disponíveis sobre as rendas. O salário mediano refere-se ao local de trabalho, não à residência do trabalhador. Os valores contemplam apenas novas rendas contratualizadas em 2023. Fontes: INE (renda mediana por município); Ministério do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade (salário mediano por município).

O concelho com maior acessibilidade para arrendar é Campo Maior, com um índice de 290%. Isto deve-se ao facto de a renda mediana ser de apenas 2,7 €/m2, a 6ª mais baixa, enquanto o salário mediano ultrapassa os 1440€, sendo o 15º mais alto. (Suspeito que isso se deva à sede da Delta.) A seguir está Castro Verde, que devido às minas consegue ter o salário mediano mais alto do país, de 2640€. Em terceiro está Vila Nova de Foz Côa (270%), porque tem a renda mediana mais baixa do país, de apenas 2 €/m2. A este preço, um T1 com 55m2 consegue ser arrendado por 110€ por mês.

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The Author

Miguel Salema: Research Fellow, Prosper Research Center, Católica-Lisbon University. Email: misalema@ucp.pt