Compensa Ser Professor em Portugal?
De 20091 a 2023 o salário líquido real dos professores diminuiu 21.1% para o 1º escalão e 23.4% para o 9º escalão2, como se vê na Figura I. Esta descida não se deveu só aos anos da Troika. Durante o período 2015-2023, que compreende os Governos de António Costa, o salário líquido real dos professores desceu 5.8% para o 1º escalão e 1.6% para o 9º escalão.3
Notas: A Figura I ilustra a evolução do salário líquido real dos professores, mensal e em euros, para o 1º e o 9º escalão, de 2006 a 2023, em Portugal. Usamos o IPC de 2023 como base. O cálculo contempla o vencimento base, o subsídio de refeição, de Natal e de férias; dividindo o salário anual por 12. Não contempla descontos para a ADSE, por serem voluntários. Para o cálculo do IRS, assumimos a classificação “casado, 2 titulares” com um dependente e residente em Portugal continental. Para 2023, utilizamos valores provisórios (até 30 de junho). A linha vermelha representa a evolução do salário mínimo líquido real, em Portugal, durante o mesmo período de referência e sujeito aos mesmos critérios de cálculo. Para mais detalhes, consultar a nota técnica. Fontes: Ministério da Educação e INE. Este gráfico estende o trabalho de Gonçalo Lima.
A Figura I inclui os subsídios de Natal e de férias. Caso contrário, não seriam visíveis os cortes em 2011 e 2012, em que foram pagos 13.5 e 12 meses, respetivamente.
Além da descida dos salários, nos últimos 15 anos houve também uma compressão dos salários dos professores com o salário mínimo (Figura I). Enquanto em 2006 um professor em início de carreira recebia um salário 174% acima do salário mínimo, hoje em dia ganha apenas 61.8% mais. A compressão não só retira prestígio à carreira docente, como também diminui o valor relativo do diploma de um mestrado de ensino. Ou seja, o retorno que um estudante obtém do mestrado é menor comparativamente a outras opções.
Tanto a descida dos salários por escalão quanto a aproximação destes ao salário mínimo contribuem para a descida da atratividade da carreira docente. Por sua vez, a baixa atratividade reflete-se no baixo número de professores formados nos últimos anos.
Um Sistema em Apuros
O sistema de ensino português enfrenta uma situação crítica de renovação. O índice de envelhecimento dos docentes atinge recordes (DGEEC e DSEE 2022). Nunes et al. (2021) estimam que 39% dos docentes empregues em 2018/19 reformar-se-ão até 2030/31. O mesmo estudo projeta que, durante o mesmo período, o número de alunos matriculados nas escolas públicas reduzirá cerca de 15%.
Logo, há uma clara necessidade de contratação de professores. Nunes et al. (2021) estimam que terão de ser contratados 3 450 novos docentes por ano até 2030/31, em média. No entanto, no ano letivo 2019/20 foram formados 1674 professores, um número muito aquém da meta (Figura II).
Notas: A Figura II ilustra o número de pessoas que, anualmente, se formam em mestrados que conferem habilitação profissional para a docência. O “Ano” refere-se ao último ano do ano letivo; por exemplo, 2020 corresponde ao ano letivo de 2019/20. A “Área” refere-se às áreas disciplinares dos diplomados, conferidas pelos cursos. Na área “Transversais” estão incluídas as disciplinas de Educação Física, Artes Visuais e EVT, Informática, e Música. Fontes: DGEEC/ME-MCTES.
É verdade que a evolução do número total de recém-formados é pouco animadora. Porém, o problema vai além deste indicador. O número total é a soma de todos os cursos. Se desagregarmos, vemos que há ramos do ensino que são mais afetados pela falta de professores.
Por exemplo, dos 1 674 diplomados em 2022 só 299 tinham habilitações para dar aulas ao ensino secundário e 3.º ciclo. Desses 299 quase metade são habilitados para História e Geografia. Logo, há áreas como Matemática, Português e Física e Química onde a situação é particularmente grave, como é visível na Figura III. A falta de professores nessas disciplinas não pode ser colmatada com professores de outras áreas.
Notas: A Figura III ilustra o número de pessoas que, anualmente, se formam em mestrados selecionados que conferem habilitação profissional para docentes do ensino secundário e do 3º ciclo. O “Ano” refere-se ao último ano do ano letivo; por exemplo, 2020 corresponde ao ano letivo de 2019/20. A “Área” refere-se às áreas disciplinares dos diplomados, conferidas pelos cursos. Fontes: DGEEC/ME-MCTES.
Esta ideia é reforçada pela Tabela I, que expõe os casos mais alarmantes ilustrados na Figura III. O mais chocante é o de Física e Química, disciplina para a qual, nos últimos quatro anos, Portugal só formou 27 professores.
Área | 2018/19 | 2019/20 | 2020/21 | 2021/22 |
---|---|---|---|---|
Matemática | 18 | 21 | 23 | 44 |
Biologia e Geologia | 15 | 14 | 26 | 28 |
Física e Química | 6 | 8 | 3 | 10 |
Inglês | 20 | 12 | 11 | 18 |
Notas: A Tabela I ilustra o número de pessoas que, anualmente, se formam em mestrados selecionados que conferem habilitação profissional para docentes do ensino secundário e do 3º ciclo. A “Área” refere-se às áreas disciplinares dos diplomados, conferidas pelos cursos. Fontes: DGEEC/ME-MCTES.
Tempo de Agir?
Perante uma escassez de oferta, os mercados tendem a ajustar através da subida de preços. Neste caso, o preço é o salário pago aos professores. No entanto, conforme revela a Figura I, não tem sido essa a decisão tomada pelos últimos Governos.
Mais ainda, o foco da discussão nacional não está em aumentar a atratividade da carreira docente. A proposta mais discutida é a reposição integral do tempo de serviço dos professores. Na verdade, todos os partidos com representação parlamentar já sinalizaram algum tipo de apoio a esta medida, diferindo apenas no horizonte temporal da reposição (veja neste documento).
A proposta é apresentada como um contributo para aumentar a atratividade da carreira docente. No entanto, não aumenta o salário de novos entrantes, nem acelera a sua progressão na carreira. Ao invés disso, a reposição simplesmente promove professores já docentes. Portanto, é esperado que tenha um impacto quase nulo na atratividade da carreira. Se as mesmas verbas fossem alocadas a um aumento de salários por escalão haveria um maior incentivo para os jovens que querem ser professores em Portugal ingressarem nessa carreira.
Além disso, como a Figura III demonstra, o problema da futura falta de professores é heterogéneo: não afeta todas as áreas de forma igual. Fica claro que a disciplina de Física e Química irá passar por uma maior crise do que História e Geografia. No entanto, nenhum partido político em Portugal defende que os salários (ou outras condições) variem consoante a área de especialização do docente.
Perante estes factos, e com a discussão política centrada na reposição do tempo de serviço perdido durante os anos da Troika (uma medida que não afeta o salário de novos entrantes), o país carece de vontade política capaz de tornar a carreira docente mais atrativa e colmatar a escassez de professores recém-formados.
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Recepção do Artigo
O sindicato FENPROF aceita que a reposição do tempo de serviço tem um pequeno efeito na atratividade da carreira docente.
O professor de História Ricardo Silva argumenta que a atratividade da carreira docente decresceu, usando este artigo como parte do seu argumento.
Referências
Notas de rodapé
2009 foi o ano em que os salários atingiram os valores máximos.↩︎
Note-se que em todo o artigo referimos variações de salário por escalão. Porém, a diminuição geral do salário dos professores foi menor do que a descida por escalão: foi -1% entre 2015 e 2022 (OECD 2023). Isto deve-se ao envelhecimento da carreira docente. Ou seja, há mais professores em escalões mais altos em 2022 do que em 2015, e isso colmata, em parte, a diminuição dos salários por escalão.↩︎
Nos primeiros anos dos Governos de António Costa, houve uma reposição de salários para os escalões mais altos, que tinham sido mais penalizados durante os anos da Troika.↩︎